Por décadas, o Ocidente apostou numa crença bem-intencionada — mas equivocada: a de que a abertura irrestrita dos mercados e a terceirização da produção industrial seriam compensadas pela paz e pela prosperidade global. Enquanto isso, a China crescia silenciosamente, acumulando superávits, concentrando produção, mantendo o controle estatal e consolidando um poder que hoje desafia abertamente o equilíbrio geopolítico.
Essa lógica, no entanto, começou a ruir com a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Suas tarifas sobre produtos chineses, tão criticadas pela mídia ocidental e por setores alinhados ao globalismo econômico, mostraram-se mais do que um instrumento protecionista: foram um freio necessário ao avanço silencioso, porém agressivo, da hegemonia chinesa sobre o sistema internacional.
A análise da jornalista Karina Michelin, publicada recentemente, apresenta esse cenário com clareza e coragem. Ela aponta o impacto direto das tarifas: a queda de cerca de 200 mil empresas chinesas que operavam na Amazon, a estimativa de até 100 milhões de desempregados no país asiático e a implosão da chamada “classe média emergente” chinesa — base de estabilidade do regime de Xi Jinping. Essa reversão econômica atinge em cheio a estrutura construída por Pequim nas últimas décadas, que dependia essencialmente do consumo ocidental e da mão de obra barata explorada em escala industrial.
Sob a lente da Teoria dos Jogos, o que se observa é a quebra de um ciclo viciado. O Ocidente, especialmente os EUA, vinha jogando de forma cooperativa, enquanto a China adotava uma postura estratégica e unilateral. No clássico dilema do prisioneiro, esse tipo de desequilíbrio só leva a um resultado: quem coopera enquanto o outro trai, perde. Trump, gostem ou não dele, foi o primeiro a romper com essa lógica. E ao fazer isso, obrigou o mundo a repensar as bases do seu modelo econômico.
O que parecia apenas uma guerra comercial revela-se agora um ponto de inflexão. O Ocidente está despertando para o custo da dependência, para a fragilidade das cadeias produtivas e para o perigo real de entregar sua soberania a um regime que não compartilha valores democráticos nem respeito à liberdade individual.
A queda da China como potência manufatureira dominante é apenas parte dessa transformação. O mais importante é o que vem junto: a redescoberta da necessidade de produzir, inovar e defender o que é próprio. Não se trata de um retorno ao protecionismo ingênuo, mas de uma reconexão com o real — com empregos locais, cadeias de valor sustentáveis e, acima de tudo, com a liberdade econômica enraizada na responsabilidade nacional.
Claro, esse processo não será isento de custos. A inflação, as tensões comerciais e os desafios logísticos são reais. Mas como já ensinava Thomas Sowell, não existem soluções perfeitas — apenas trocas. E essa troca pode ser a mais valiosa em gerações: abrir mão da dependência em troca de soberania, de fragilidade em troca de resiliência.
Karina Michelin encerra sua análise com uma reflexão decisiva: se Davos vencer, o mundo mergulha numa era de controle tecnocrático, despovoamento planejado e simulacros de progresso. Se vencer a visão de um Ocidente livre, mesmo com todas as imperfeições, a liberdade ainda terá uma chance.
Não se trata de idolatrar figuras políticas, mas de reconhecer que há momentos em que as estruturas são postas à prova — e as escolhas feitas agora definirão as próximas décadas. O jogo não acabou. Mas desta vez, o Ocidente voltou a jogar. E parece disposto, enfim, a vencer.