Era um voo como tantos outros, em que estranhos se sentam lado a lado e o tempo, suspenso entre o embarque e o destino, convida ao inesperado. Foi assim que um padre e um rabino, homens de fé e de trajetórias distintas, encontraram-se lado a lado numa viagem aérea.
Durante algum tempo, trocaram apenas gentilezas, como bons vizinhos de poltrona. Mas o rabino, curioso e sereno, não resistiu:
— Padre, há muito tempo quero fazer uma pergunta à um católico: é difícil ser padre?
O padre, surpreso, respondeu com um leve sorriso:
— Não me diga que o senhor está pensando em se converter e virar pregador!
O rabino, rindo com discrição:
— De forma alguma. Apenas gostaria de comparar com a formação dos rabinos, que não é nada fácil.
O padre, então, explicou. Falou dos anos de seminário, das disciplinas exigentes, da vida em castidade, obediência e pobreza. Contou que, antes de vestir a batina, o jovem passa por longas etapas de formação espiritual e acadêmica. O rabino acenava com a cabeça, compreensivo:
— Eu suspeitava. Afinal, nossas religiões são irmãs. Frutos da mesma árvore.
— E ser bispo? — indagou o rabino.
O padre explicou as exigências, as nomeações, o reconhecimento pelos pares.
— E arcebispo? E cardeal?
O padre descreveu a escalada que não é ambição, mas missão.
— E o Papa? Como se chega a Papa?
O tom era agora de encantamento.
— Ah, meu amigo… Aí é obra do Espírito Santo. É o Conclave. A escolha feita entre os cardeais. Um chamado único. É muito, mas muito difícil.
O rabino permaneceu alguns segundos em silêncio. Depois sorriu.
— Padre, acabamos de celebrar o Pessach. E os senhores, a Páscoa. Datas irmãs, em sua essência. Por isso, me permita uma última pergunta.
O padre fez um gesto com as mãos, encorajando:
— E ser o Filho de D’us? É muito difícil?
O padre ficou estupefato. Endireitou-se na poltrona, levou um instante para responder:
— Mas… Rabino! O Filho de D’us é único!
O rabino então respondeu, com ternura nos olhos:
— Pois é, padre. Um dos nossos meninos, que nasceu em uma manjedoura… chegou lá.
Ambos sorriram com os olhos marejados. O avião iniciava a descida. Ao final da viagem, abraçaram-se com emoção, desejando um ao outro: “Feliz Páscoa!” e “Chag Pessach Sameach”.
Essa pequena história, contada anos atrás pelo sociólogo William Carvalho, nos lembra que a vida não termina, apenas se transforma. E que judeus e cristãos, longe de estarem em lados opostos, estão nas mesmas páginas da História Sagrada.
A palavra “Pessach” (פסח) significa passagem. E Páscoa também é isso: um convite a atravessar a existência com menos medo e mais esperança.
Que essa história singela, nascida entre nuvens e poltronas, sirva como lembrança de que o que nos irmana é maior que o que nos separa. E que, talvez, o mais difícil mesmo seja aprender a amar sem condições.
Feliz Páscoa. Chag Pessach Sameach.