Poucos brasileiros ouviram falar da Seção 301 do Código Comercial dos Estados Unidos. Criado em 1974, esse instrumento jurídico, direto e eficaz, pode redesenhar as relações entre Brasil e Estados Unidos e reequilibrar um tabuleiro geopolítico cada vez mais ameaçado pelo autoritarismo disfarçado de legalidade.
A Seção 301 autoriza o governo americano a investigar e aplicar sanções contra países que adotem práticas comerciais injustas ou discriminatórias, ou que imponham barreiras que prejudiquem empresas e valores americanos. Não se trata de retaliação ideológica, mas de defesa estratégica dos interesses dos Estados Unidos no comércio global e, de forma mais ampla, da ordem democrática liberal construída após a Segunda Guerra Mundial.
O que parecia um mecanismo técnico da burocracia comercial norte-americana passou a adquirir outra função. Com o agravamento do quadro institucional brasileiro, o governo dos Estados Unidos encontrou na Seção 301 uma ferramenta legítima para responder a desvios do Estado de Direito no Brasil que impactam diretamente a liberdade econômica, a segurança jurídica e a estabilidade regional.
A recente ameaça de taxação de até 50% sobre produtos brasileiros não é apenas uma represália comercial. É, na prática, uma forma de pressão legalizada contra um modelo político que se consolida pela repressão do contraditório, pelo cerceamento das liberdades e pela transformação de um dos Poderes da República em instrumento de intimidação.
Embora não se diga em voz alta, o alvo dessa estratégia, caso venha a ser aplicada, é o sistema que se estabeleceu no Brasil, onde um poder constitucional passou a concentrar funções de polícia, acusação, julgamento e censura, sob a passividade dos demais. Na verdade significa um freio legal ao desvio autoritário no Brasil.
A retórica da soberania nacional já não basta para conter a preocupação internacional com o rumo de um país que, até recentemente, era visto como parceiro estratégico e pilar da democracia na América Latina.
É nesse ponto que a Seção 301 dialoga, de forma complementar, com outro instrumento hoje amplamente discutido: a Lei Magnitsky. Enquanto esta visa sancionar autoridades estrangeiras por violações graves de direitos humanos e corrupção, a Seção 301 atua sobre práticas que afetam diretamente a liberdade econômica e os interesses comerciais dos Estados Unidos.
Juntas, elas formam um binômio jurídico e político capaz de reagir, com firmeza, aos regimes que combinam autoritarismo institucional com retórica progressista, muitas vezes escudados em aparências constitucionais.
No caso brasileiro, a preocupação se intensifica diante de sinais claros de realinhamento geopolítico. A aproximação do atual governo com regimes autocráticos, em especial com a China e seus satélites, revela um reposicionamento histórico que rompe com a tradição diplomática brasileira de alinhamento às democracias ocidentais.
Essa guinada não é apenas retórica. Ela se materializa em acordos estratégicos, transferência de tecnologias sensíveis, dependência econômica e uma crescente submissão ao modelo de controle social e político que caracteriza as ditaduras do século XXI.
A resposta americana, portanto, não se dá apenas por razões comerciais. Ela é, sobretudo, uma defesa da ordem internacional baseada em regras e liberdades.
Ao colocar o Brasil sob escrutínio jurídico, os Estados Unidos emitem um sinal claro de que o abuso de poder disfarçado de legalidade, ainda que ocorra dentro das fronteiras de um Estado soberano, não está imune ao julgamento internacional.
É também um alerta às lideranças brasileiras que ainda acreditam na força da democracia. Cabe à oposição, à sociedade civil e aos setores produtivos entender que os mecanismos legais internacionais estão disponíveis, sim, como instrumentos legítimos de resistência ao avanço autoritário. A Seção 301 não é uma interferência. É a consequência. E quando a consequência vem de um aliado histórico, talvez seja a última oportunidade de reconciliação antes do isolamento completo.
Teste JR.´.
Quando a democracia é vilipendiada, o livre comércio não existe, pois em seu lugar há exploração e usurpação.
Isso soa como uma forma de sanção econômica e comercial, mas essa forma de punição não me parece ser algo eficaz. Veja o exemplo de Cuba: mais de 60 anos de sanções e o governo não caiu, não mudou. Apenas o povo ficou cada vez mais miserável e insatisfeito, mas não se rebelaram a ponto de derrubar a ditadura. Será que essa política terá algum efeito?
Creio, que há uma diferença de tempo, espaço e oportunidade. Trump está em seu último governo, Cuba não é mais dirigida por Fidel e não tem mais a tutela do passado, Trump não tem nada à perder e o Brasil, ao contrário, sofrerá mais um abalo em sua credibilidade económica, o tempo dirá…
Excelente analise e exposicao
Como estão reagindo as abelhinhas a toda essa situação…
Excelente artigo. Pena que seja tão civilizado, a ponto de disfarçar o óbvio ululante dos discursos codnomeados de “tudo pela democracia”. Poderia bem ter dito: lobos disfarçados de cordeiros”, ou túmulos caiados por fora e podres por dentro. As decisões monocraticas praticadas por um órgão que se diz dono da verdade afronta os mais fundamentais princípios da verdadeira democracia.
Ademais, é uma humilhação imposta a todo o povo brasileiro. Nesse aspecto, o artigo é brilhante.
Sua síntese mostra com perfeição o que vivemos, não passam de lobos disfarçados de cordeiros, onde um deles, que nunca obteve na vida um único voto, considera ter poder absoluto…profundo engano.