Há momentos na história em que a omissão de um povo não se mede pelo silêncio, mas pelo custo do que deixa passar. Estamos diante de um desses momentos. E o Brasil precisa entender, com urgência, o que está por trás da Lei que hoje se tornou o centro de uma controvérsia internacional. Porque não se trata de uma sanção contra um nome. Trata-se de um alerta ao mundo sobre o preço da impunidade.
Sergei Magnitsky não era ativista, político ou revolucionário. Era auditor. Um homem técnico. Alguém que acreditava que os números não mentem. Ao investigar uma fraude de US$ 230 milhões contra o Estado russo, revelou que os responsáveis pelo desvio estavam dentro do próprio sistema — agentes públicos, fiscais e integrantes da máquina estatal. Ao invés de protegê-lo, o Estado o puniu. Foi preso preventivamente, jogado numa cela úmida e escura por quase um ano. Desenvolveu pancreatite, pedras na vesícula e inflamação grave na vesícula biliar. Foi privado de atendimento médico. Quando clamou por socorro, deram-lhe cacetetes. Morreu como morrem os que desafiam o império da corrupção: sozinho, torturado e esquecido.
A história, que parecia distante, ganhou corpo no vídeo corajoso da Brasil Paralelo. Ali se vê com detalhes a trama que transformou a verdade de um homem em sentença de morte. A cela onde ficou, as audiências em que teve que se defender das acusações que ele mesmo havia denunciado, os relatórios médicos omitidos, os testemunhos ignorados. Um Estado que se protege a si mesmo não é mais Estado. É máfia institucionalizada.
Foi a partir desse crime que surgiu a Lei Magnitsky, aprovada inicialmente nos Estados Unidos e depois expandida em 2016 ao plano global. Ela não julga países. Ela responsabiliza indivíduos. Corruptos, violadores de direitos humanos, agentes públicos que se beneficiam do cargo para oprimir, perseguir, silenciar e roubar. Não exige sentença judicial. Exige provas documentais, investigações independentes e padrões objetivos. Quando confirmadas, impõe consequências: congelamento de bens, bloqueio de acesso ao sistema financeiro internacional e proibição de entrada nos países signatários.
Agora, quando se aplica essa mesma lei a uma figura brasileira, parte da elite nacional reage como se o mundo estivesse conspirando contra nós. Mas o que essa lei pune não é o Brasil. O que ela pune são comportamentos que colocam o poder acima da lei. E esse debate é necessário, mesmo em tempos de medo.
Basta observar o que aconteceu com Felipe Martins, ex-assessor de política externa do Planalto, condenado por um gesto supostamente ofensivo, sem qualquer prova de intenção discriminatória. Um gesto que foi imediatamente desmentido por especialistas em linguagem corporal, mas que bastou para que fosse denunciado, exposto e agora penalizado com prisão em regime fechado. Um exagero penal que, se ocorresse em regimes autoritários, não causaria espanto. Mas aqui, num país que se diz democrático, choca, divide e silencia.
Ou o caso de Cleriston Pereira da Cunha, o Clezão, pequeno empresário baiano preso após os atos de 8 de janeiro. Sem antecedentes, sem processo finalizado, permaneceu encarcerado por quase um ano. Morreu vítima de mal súbito na Papuda, longe da família, longe da dignidade que um Estado justo deve garantir a todos os seus cidadãos. Não teve a chance de defesa. Teve a sentença da espera sem fim.
Esses casos, à sua maneira, ecoam o que ocorreu com Sergei Magnitsky. Prisão preventiva que se arrasta, negação de cuidados médicos, uso da acusação como forma de intimidação, presunção de culpa antes do julgamento. E o mais grave: o silêncio institucional que tenta enterrar a responsabilidade. Em todos eles, o processo parece não buscar justiça, mas a manutenção de um poder que se protege a si mesmo. Quando o sistema se fecha contra o cidadão, a justiça vira instrumento de coerção.
A diferença é que no Brasil esses casos não mobilizam sanções internacionais. O mundo apenas observa. Mas quando o Estado se blinda contra críticas legítimas, quando jornalistas, servidores públicos e cidadãos comuns passam a ser tratados como inimigos, as democracias do mundo têm o dever de reagir. É disso que trata a Lei Magnitsky.
Não é exagero dizer que, se Sergei Magnitsky fosse brasileiro, talvez tivesse conhecido celas ainda mais degradantes, processos mais lentos, denúncias anônimas aceitas sem contraditório, cortes superiores que se julgam acima da Constituição. Onde um grupo fechado e institucionalmente blindado decide o que pode ou não ser dito. Onde as redes sociais são policiadas como zonas de guerra. Onde o contraditório é tratado como ameaça e a divergência como crime.
Mas há resistência. O jornal Two Flags Post, com sede nos Estados Unidos, tem sido voz ativa nessa denúncia. Tem exposto, com coragem, os mecanismos de censura travestidos de regulação, os pactos de silêncio firmados em nome da estabilidade, os ataques à liberdade de expressão que se multiplicam sob o pretexto de combater “desinformação”.
O Brasil precisa decidir de que lado quer ficar. Do lado de um sistema que pune quem ousa questionar, ou do lado dos que ainda acreditam que justiça não se faz com silêncio, nem com censura, mas com verdade, transparência e responsabilidade. Que a história de Sergei Magnitsky não seja apenas uma lembrança distante. Que seja um alerta. Porque toda vez que um homem honesto é calado pela força, o mundo inteiro se torna cúmplice.
Créditos:
Fonte principal: Documentário da Brasil Paralelo, “A HISTÓRIA DE SERGEI MAGNITSKY: O CRIME BRUTAL QUE DEU ORIGEM À LEI”
Complementos: Relatórios da Corte Europeia de Direitos Humanos, Senado dos EUA, Bill Browder Foundation, artigos da BBC, The Guardian, Washington Post
Publicação complementar: Two Flags Post – US
There are moments in history when a people’s omission is not measured by silence, but by the cost of what they fail to confront. We are living one of those moments. And Brazil must urgently understand what lies behind the law that has become the center of international controversy. Because this is not about a sanction against a name. It is a global warning about the price of impunity.
Sergei Magnitsky was no activist, politician, or dissident. He was an auditor. A technical man. Someone who believed numbers don’t lie. While investigating a fraud of 230 million dollars against the Russian state, he uncovered that the perpetrators were within the system itself — tax agents, state officials, and insiders. Instead of being protected, he was punished. Held in pretrial detention, locked in a damp, dark cell for nearly a year. He developed pancreatitis, gallstones, and acute cholecystitis. He was denied medical care. When he cried for help, they gave him batons. He died as those who expose the empire of corruption often do — alone, tortured, and forgotten.
That story, once distant, came alive in the courageous documentary by Brasil Paralelo. It shows in detail how the truth of one man was turned into a death sentence. The cell he was held in, the hearings where he had to defend himself against the very crimes he had reported, the concealed medical records, the ignored testimonies. A state that protects itself is no longer a state. It becomes institutionalized mafia.
Out of that crime came the Magnitsky Act, first passed in the United States and expanded globally in 2016. It does not target countries. It targets individuals. Corrupt agents, human rights violators, public officials who use their position to oppress, persecute, silence, or steal. It does not require a court conviction. It requires evidence — documented, corroborated, and consistent. Once confirmed, it imposes consequences: freezing assets, cutting access to international financial systems, denying entry to signatory countries.
Now that the same law has been applied to a Brazilian figure, part of the national elite reacts as if the world were conspiring against us. But what this law punishes is not Brazil. It punishes behaviors that place power above the law. And that debate is necessary — especially in an age of fear.
Take, for example, Felipe Martins, former foreign policy advisor to the presidency, convicted over a gesture allegedly offensive, without any proof of discriminatory intent. Experts in body language denied the accusation immediately, yet he was denounced, shamed, and sentenced to serve prison time. It was a disproportionate penalty, more common in authoritarian regimes than democratic ones. And yet, in Brazil, it happened.
Or the case of Cleriston Pereira da Cunha, known as Clezão, a small business owner from Bahia arrested after the events of January 8. With no criminal record and no final conviction, he remained incarcerated for almost a year. He died of sudden cardiac arrest in federal custody — far from his family, and far from the dignity that any just state should guarantee its citizens. He had no chance to defend himself. His sentence was indefinite detention.
These cases echo, in different tones, what happened to Magnitsky. Prolonged pretrial imprisonment, denial of medical care, accusations used to intimidate, presumption of guilt before due process. And worst of all — institutional silence. In all three, justice seems less a pursuit of truth and more a mechanism of self-preservation. When a system turns against its citizens, law becomes coercion.
In Brazil, these events haven’t triggered international sanctions — the world watches in silence. But when a state shields itself from legitimate criticism, when journalists, civil servants, and ordinary people are treated as threats, democracies have a duty to react. That’s what the Magnitsky Act is about.
It’s no exaggeration to say that if Sergei Magnitsky had been Brazilian, he might have encountered even worse cells, even slower trials, anonymous reports accepted without scrutiny, higher courts assuming the power to define what is true and what must be erased from public memory. A small, institutionally protected group now decides what may or may not be said. Social networks are patrolled like war zones. Dissent is treated as crime.
But there is resistance. The Two Flags Post, based in the United States, has become a vocal witness to this process. It has courageously exposed mechanisms of censorship masked as regulation, silent pacts sealed in the name of stability, and the assault on freedom of expression that grows under the pretext of fighting “disinformation.”
Brazil must choose what side it’s on. Will it defend a system that punishes those who question it, or stand with those who still believe that justice is not built on silence or censorship, but on truth, transparency, and accountability? May Sergei Magnitsky’s story not be just a distant memory. Let it be a warning. Because every time an honest man is silenced by force, the entire world becomes complicit.
Credits:
Primary Source: Documentary by Brasil Paralelo, “A HISTÓRIA DE SERGEI MAGNITSKY: O CRIME BRUTAL QUE DEU ORIGEM À LEI”
Additional research: European Court of Human Rights, U.S. Senate, Bill Browder Foundation, BBC, The Guardian, The Washington Post
Contributing publication: Two Flags Post – USA