Leia, Comente e Compartilhe
Fernando Henrique Cardoso – Aniversário de um Estadista Raro
Há datas que nos convocam ao silêncio reflexivo. Outras, ao aplauso público. E há aquelas que, por sua natureza, nos pedem as duas coisas: memória e gratidão, crítica e reconhecimento. Hoje, o aniversário de Fernando Henrique Cardoso é uma dessas.
Professor antes de tudo – e talvez depois de tudo também –, ele formou gerações não apenas nas salas da USP, mas na vida pública do Brasil. Quem passou por suas aulas sabe que ali não havia espaço para o simplismo. FHC ensinava a pensar, e a pensar grande. Não foi à toa que, ao sair do campo acadêmico para a arena política, manteve o olhar analítico, o gosto pelo debate e a coragem de enfrentar dogmas.
Sim, foi derrotado nas urnas quando quis governar a maior cidade do país. Mas não recuou. Voltou mais forte, mais preparado e, talvez, mais calejado. Fez da derrota um aprendizado – como fazem os estadistas, e não os aventureiros de ocasião.
Como senador, foi voz firme em defesa das liberdades democráticas em tempos em que falar a verdade ainda custava caro. Como ministro, trouxe ao Brasil uma estabilidade econômica que parecia inalcançável – e que muitos hoje desfrutam sem sequer saber a origem desse equilíbrio. O Plano Real não caiu do céu. Foi construído com técnica, visão e coragem política.
Presidente por duas vezes, FHC enfrentou o Brasil real: o das contradições históricas, o da República do Compadrio, que mesmo ele, com sua biografia limpa, não conseguiu vencer totalmente. Não manchou as mãos, mas muitas vezes teve de segurá-las firmes, no fio da navalha, para evitar que o país escorregasse de vez para o abismo institucional.
Seus erros? Não foram poucos. Seu maior pecado talvez tenha sido a excessiva crença de que a força das ideias seria suficiente para transformar o Brasil. Subestimou o peso dos interesses subterrâneos. Tolerou mais do que devia. Fez alianças que hoje, à distância, parecem amargas. Mas nunca traiu a democracia, nem cedeu ao populismo rasteiro que hoje infesta os dois extremos da cena política nacional.
Falo de quem conheci de perto. De quem um dia me estendeu o convite para participar de um governo que, ao menos em seus primeiros anos, acreditava que era possível mudar as coisas pela via da técnica e da boa política. Tive a honra de contribuir, entre outras missões, na implantação de um novo Código Brasileiro de Trânsito – um trabalho que, ao longo dos anos, ajudou a salvar milhares de vidas.
Hoje, mais de oito décadas vividas, Fernando Henrique segue sendo aquilo que sempre foi: um intelectual público, um homem de Estado, um brasileiro que, com todos os seus acertos e limitações, colocou a cabeça e o coração a serviço de um país que nunca foi fácil de governar.
Neste aniversário, fica o registro de um olhar crítico, mas acima de tudo, de gratidão e respeito. Em tempos de líderes frágeis, radicais de palanque e demagogos de plantão, recordar a trajetória de FHC é lembrar que ainda é possível sonhar com estadistas de verdade.
Parabéns, Professor
Fernando Henrique Cardoso – Birthday of a Rare Statesman
There are dates that call us to reflective silence. Others, to public applause. And then there are those, by their very nature, that ask for both: memory and gratitude, criticism and recognition. Today, on Fernando Henrique Cardoso’s birthday, we find ourselves in such a moment.
A professor above all—and perhaps, after all, still a professor—he shaped generations not only within the lecture halls of the University of São Paulo but across the public life of Brazil. Those who sat through his classes know there was no room for simplification. FHC taught us how to think—and how to think big. It’s no coincidence that when he left academia for the political arena, he carried with him an analytical gaze, a love for debate, and the courage to challenge dogmas.
Yes, he was defeated at the polls when he sought to govern the largest city in the country. But he did not retreat. He returned stronger, better prepared, and perhaps more battle-worn. He turned defeat into a lesson—as true statesmen do, not the opportunists of the moment.
As a senator, he was a steady voice in defense of democratic freedoms at a time when speaking the truth still carried a high price. As a minister, he brought Brazil an economic stability that once seemed unattainable—one that many today enjoy without even knowing where it came from. The Real Plan didn’t fall from the sky. It was built with technical expertise, vision, and political courage.
Twice elected president, FHC faced the real Brazil: the one marked by deep-rooted contradictions, the enduring “Republic of Cronyism,” which—even with a clean personal record—he could not fully defeat. He never stained his hands, but more than once had to hold them steady, walking the razor’s edge to keep the country from slipping into institutional collapse.
His mistakes? They were not few. Perhaps his greatest flaw was an excessive belief that the strength of ideas alone could transform Brazil. He underestimated the weight of entrenched interests. He tolerated more than he should have. He made political alliances that, from today’s distance, seem bitter. Yet he never betrayed democracy, nor did he surrender to the cheap populism that now contaminates both extremes of Brazil’s political landscape.
I speak as someone who knew him up close. As someone who, one day, was honored with the invitation to join a government that—at least in its early years—genuinely believed in change through technical skill and sound politics. I had the privilege of contributing, among other missions, to the implementation of a new Brazilian Traffic Code—a project that, over the years, helped save thousands of lives.
Today, with more than eight decades of life behind him, Fernando Henrique remains what he has always been: a public intellectual, a statesman, a Brazilian who—with all his achievements and limitations—put both head and heart at the service of a country that has never been easy to govern.
On this birthday, I leave a record of critical reflection, but above all, gratitude and respect. In times of fragile leaders, soapbox radicals, and professional demagogues, remembering FHC’s journey reminds us that it is still possible to dream of real statesmen.
Congratulations, Professor.