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Há momentos na trajetória de um povo em que o rigor da justiça, ainda que legítimo, precisa ceder espaço à grandeza do perdão. Não por fraqueza, mas por sabedoria. Não por esquecimento, mas por esperança.
A anistia é uma dessas escolhas raras e decisivas. Ela não apaga o que passou, mas ressignifica o que virá. É um ato de coragem política – e, sobretudo, um sinal de maturidade cívica. Representa a capacidade de uma sociedade de encerrar ciclos de dor, reconhecer suas feridas e comprometer-se com um recomeço.
No Brasil, como em muitas partes do mundo, a anistia surgiu em momentos críticos – tempos de transição, de conflito e de reconstrução. Foram mais de quarenta ao longo da História, desde o período imperial até os dias atuais, estendidas a insurretos, revolucionários, perseguidos, desertores e também a agentes do Estado. Em cada ocasião, tratou-se de uma escolha civilizatória: a de restaurar a convivência possível diante do que parecia irremediável.
Na República Velha, após conflitos como Canudos e a Revolta da Armada, a anistia foi instrumento de pacificação. No período Vargas, ela alcançou combatentes de ambos os lados – os que o enfrentaram e os que lutaram por ele. Em 1979, no fim do regime militar, a Lei da Anistia representou um marco da reabertura democrática e, mais que um ajuste jurídico, um gesto moral e simbólico de reconciliação nacional, alcançando perseguidos políticos e agentes estatais.
Fora do Brasil, o mesmo espírito norteou experiências como a da África do Sul, onde a Comissão da Verdade e Reconciliação escolheu o perdão como caminho de cura. No pós-guerra europeu, muitos países anistiaram tanto colaboradores quanto resistentes, em um esforço por reconstruir não apenas estruturas, mas a dignidade humana. Na Espanha, após a guerra civil, a anistia foi adotada não para apagar a memória, mas para possibilitar a convivência.
A anistia é, antes de tudo, uma decisão espiritual. Vai além do vocabulário das leis e se inscreve no campo das virtudes. Nasce do reconhecimento de que todos erramos e de que, em certos momentos, a justiça precisa ser temperada com misericórdia. O cristianismo ensina: “Perdoai setenta vezes sete.” No judaísmo, o Dia do Perdão convoca à introspecção e ao arrependimento, lembrando que o perdão entre os homens é tão necessário quanto o perdão divino. Outras tradições, como o islamismo, o budismo e o espiritismo, também veem na clemência um gesto de elevação moral.
Quando uma sociedade se vê diante da dor, da divisão e da polarização, precisa fazer escolhas. Permanecer em trincheiras eternas ou buscar uma forma de reconciliação. A anistia, nesse cenário, não é indulgência nem impunidade – é grandeza. É a lembrança de que, por trás de cada processo, há uma pessoa; por trás de cada nome, uma família. E que o tecido nacional só será recomposto se formos capazes de ver no outro não apenas um adversário, mas um semelhante.
Anistiar não é esquecer. É libertar o futuro das correntes do ressentimento. É escolher, como nação, seguir adiante. Com verdade, mas também com compaixão. Com firmeza, mas também com generosidade. Porque a força de um país não se mede apenas pela severidade de suas penas, mas pela profundidade do seu perdão